Identidade Acoplada: Quando Você Deixa de Ser Quem Era

Você já olhou para o espelho e não reconheceu quem estava ali? Não o rosto, as rugas ou o corte de cabelo novo, mas a pessoa que você se tornou?

Muitas vezes, sem perceber, passamos a viver através de outra pessoa. Confundimos nossos valores, mudamos nossos gostos, silenciamos nossas opiniões. O mais assustador é que isso acontece de forma tão sutil que, quando nos damos conta, a identidade que nos sustentava já não existe mais.

No começo, tudo parece natural. Amor, conexão, paixão… Buscamos similaridades, ajustamos preferências, cedemos em detalhes pequenos: o café forte que se torna mais fraco, as músicas que desaparecem da playlist, o vinho que vira cerveja. Deixamos de lado uma convicção, porque, no momento, parece não ser tão importante. Porém, aos poucos, essas pequenas concessões viram grandes renúncias.

O brilho do seu “EU” original se apaga, diluído na tentativa de caber em uma relação que nunca deveria ter exigido menos de quem você realmente é. Mas o que a psicologia e a neurociência dizem sobre essa perda de identidade?

O que a psicologia e a neuropsicologia nos ensinam sobre identidade?

A identidade é construída ao longo da vida, baseada em experiências, emoções, memórias e valores. Na neuropsicologia, o córtex pré-frontal é uma das áreas fundamentais nesse processo, pois está envolvido na tomada de decisões e na construção da autoconsciência.

Quando uma pessoa passa por um processo de identidade acoplada, ocorre uma alteração nos circuitos neurais ligados à autopercepção e à recompensa social. Em outras palavras, o cérebro começa a priorizar a aceitação e a conexão com o outro em detrimento da própria individualidade. Assim, cada concessão parece um pequeno ajuste, mas, no longo prazo, a perda de identidade se torna evidente.

Estudos mostram que pessoas que passaram por relações onde houve fusão excessiva de identidade podem apresentar dificuldades em reconhecer suas próprias preferências e sentimentos, além de desenvolverem quadros de ansiedade e depressão. Isso ocorre porque o cérebro já não encontra referências internas para validar suas decisões e emoções.

Em quais momentos essa crise aparece?

A crise de identidade pode surgir em diferentes momentos da vida, mas costuma ser mais evidente quando:

  • Uma relação termina: Após um rompimento, muitas pessoas sentem que perderam parte de si mesmas, pois haviam moldado sua identidade em torno do outro.
  • Há grandes mudanças de vida: Maternidade, mudanças de carreira ou até mesmo um novo ambiente podem trazer questionamentos profundos sobre quem somos.
  • O contato social diminui: A falta de interações diversas pode fazer com que a identidade fique restrita a um único vínculo, o que amplia a fusão de identidade.
  • Houve uma relação abusiva ou codependente: Nesses casos, a perda de identidade ocorre gradualmente, pois a pessoa se ajusta constantemente para evitar conflitos ou rejeição.

Essa crise não significa que a identidade se perdeu para sempre, mas sim que ela foi abafada por muito tempo e precisa ser resgatada.

Estamos mais vulneráveis quando enfrentamos problemas de identidade?

Sim. A crise de identidade nos torna emocionalmente mais vulneráveis porque perdemos nossas referências internas. Isso significa que nos tornamos mais suscetíveis a:

  • Dúvidas constantes: Sem uma identidade clara, qualquer decisão pode parecer incerta ou angustiante.
  • Ansiedade e estresse: A falta de autoconhecimento aumenta a sensação de insegurança e medo do julgamento externo.
  • Relacionamentos tóxicos: Sem um senso sólido de identidade, há maior risco de entrar em relações abusivas ou permanecer nelas.
  • Baixa autoestima: A ausência de uma identidade definida pode levar à sensação de não pertencimento ou inadequação.

Quando estamos emocionalmente fragilizados, buscamos validação externa com mais frequência. No entanto, isso pode nos levar a repetir o ciclo de fusão de identidade, ao invés de encontrar um caminho de volta para nós mesmos.

Traumas e identidade: qual a ligação?

A relação entre traumas e identidade é profunda. Experiências traumáticas podem distorcer a percepção que temos de nós mesmos, levando a sentimentos de inadequação e desconexão.

Quando passamos por situações dolorosas, o córtex pré-frontal pode ter sua atividade reduzida, enquanto a amígdala, região ligada ao medo e às emoções, se torna hiperativa. Isso significa que o cérebro entra em um estado de alerta constante, dificultando a construção de uma identidade segura e autônoma.

Além disso, traumas podem criar crenças limitantes sobre quem somos e o que merecemos, tornando mais fácil aceitar situações que não nos fazem bem. Por exemplo, alguém que passou por rejeição na infância pode, na vida adulta, se moldar constantemente para evitar ser abandonado novamente.

Superar essa conexão entre trauma e identidade exige um processo de reestruturação emocional e mental. Felizmente, a terapia pode ser uma aliada fundamental nesse processo.

Como a terapia ajuda a recuperar a sua verdadeira identidade?

A terapia desempenha um papel essencial na recuperação da identidade, ajudando a pessoa a se reconectar consigo mesma e a resgatar sua autonomia emocional. Entre as abordagens mais eficazes, destacam-se:

  • Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): Trabalha a reestruturação de pensamentos e crenças limitantes, permitindo que a pessoa identifique padrões de comportamento que a fizeram perder sua identidade.
  • EMDR e Brainspotting: Técnicas que auxiliam no reprocessamento de memórias traumáticas, reduzindo o impacto emocional de experiências passadas.
  • Autoconhecimento e autoestima: A terapia ajuda a fortalecer a autoimagem e a criar novas referências internas, garantindo que as escolhas sejam feitas com base no próprio desejo, e não na necessidade de agradar o outro.

Além disso, pequenos passos no dia a dia podem facilitar esse reencontro:

  1. Revisite suas preferências: Pergunte-se o que você gosta de verdade, sem influências externas.
  2. Estabeleça limites saudáveis: Dizer “não” também é uma forma de se afirmar e preservar sua identidade.
  3. Reforce sua rede de apoio: Cercar-se de pessoas que respeitam quem você é facilita esse processo.

A identidade que se perdeu não desapareceu. Ela apenas ficou adormecida, esperando o momento certo para ressurgir.

Recupere sua verdadeira identidade

A identidade acoplada pode nos fazer sentir perdidos, mas nunca é tarde para nos reencontrarmos. A psicologia e a neurociência mostram que a identidade é flexível e pode ser reconstruída com o tempo e as ferramentas certas.

O caminho de volta pode ser doloroso, pois exige coragem para reconhecer o que foi deixado para trás. No entanto, esse processo não significa fracasso, e sim um despertar. Com a ajuda da terapia, é possível recuperar a essência, fortalecer a autoestima e viver de forma autêntica.

Seu reflexo no espelho merece ver você por inteiro, não apenas uma sombra de uma construção conjunta. Portanto, permita-se voltar para si mesma. Afinal, redescobrir quem você realmente é pode ser o recomeço mais importante da sua vida.

Sou Betila Lima – Psicóloga

Formada em Psicologia desde 2007, com formação em Neuropsicologia, Terapia Cognitiva Comportamental, Terapia de EMDR e Brainspotting.

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